Série Disciplinas Espirituais: #4 Solitude

Vanessa Belmonte
6 min readMay 31, 2020

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A harmonia interior de saber que nunca estamos sozinhos.

Foto de Warren Wong.

Nosso quarto episódio da Série Disciplinas Espirituais está diretamente relacionado com o #2 Silêncio. A maioria dos autores falam das duas disciplinas juntas: solitude e silêncio. Então, se você já leu (ou ouviu) sobre o silêncio, agora é a hora de aprender sobre a solitude.

Depois, então, busque formas de incluir as duas em sua rotina, deixando o exercício alcançar o seu coração e tocar a necessidade que sentimos de obter a aprovação das pessoas ou o medo que sentimos de ficar sozinhos. Que esse exercício faça você aprender a confiar em primeiro lugar no relacionamento que você tem com Deus e que, com Ele, você nunca mais estará sozinho(a).

Segue também a quarta pergunta das Dez Grandes Questões sobre Formação Espiritual. (1) Vamos lá!

Como a Formação Espiritual é expressa na linguagem da Bíblia? É um conceito bíblico?

A formação espiritual é um conceito bíblico expresso de várias maneiras nas Escrituras — na admoestação, na oração, no ensino e no exemplo. Provérbios diz: “Guarde-as [as minhas palavras] no fundo do coração, pois são vida para quem as encontra e saúde para todo o seu ser. Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida.” (Pv 4:21–23). O salmista suplica: “Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito estável. (…) Sustenta-me com um espírito pronto a obedecer. (…) Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás.” (Sl 51:10,12,17).

Deus olha o que está no coração (1Sm 16:7), procura aqueles que o adoram em espírito e verdade. A religião bíblica é uma religião do coração e trata de guardá-lo. Assim, Jesus enfatiza que não existem árvores boas que produzam maus frutos, nem árvores más que produzam bons frutos (Lc 6:43) e que o bem e o mal são provenientes do coração das pessoas (Lc 6:45; Mc 7:21–23).

A instrução de Paulo é para que renovemos nosso ser interior “nos despindo do velho homem” e “nos revestindo do novo homem” caracterizado por “profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência.” (Cl 3:12–14). Ele ora para que os efésios sejam fortalecidos “no íntimo do seu ser com poder, por meio do seu Espírito, para que Cristo habite no coração de vocês mediante a fé; (…) para que vocês sejam cheios de toda a plenitude de Deus.” (Ef 3:16–19).

Fica claro, portanto, que a formação espiritual está presente nas Escrituras e também esteve presente ao longo da história do povo de Cristo. As congregações cristãs primitivas mostram que as práticas de formação espiritual são tão antigas quanto o cristianismo. A linguagem de formação espiritual é usada há séculos em muitas denominações diferentes até os dias de hoje. (1)

A Disciplina Espiritual da Solitude

Jesus nos convida a sairmos da solidão e nos movermos em direção à solitude. As duas palavras muitas vezes são usadas como sinônimos: solidão e solitude, mas há uma grande diferença entre elas.

Segundo Henri Nouwen, a solidão é uma das fontes mais universais de sofrimento humano; suas raízes alimentam-se da suspeita de que não há ninguém que se importe, de amor sem condições, que não existe lugar onde possamos ser vulneráveis sem que sejamos usados. As pequenas rejeições de todo dia despertam nosso medo básico de sermos deixados completamente sozinhos. (2)

Para tentar resolver esse problema, nos agarramos aos outros de maneira distorcida, seja através do casamento, de filhos ou amigos, não conseguimos estar só. E ainda assim, podemos estar rodeados de pessoas e nos sentirmos profundamente sozinhos.

A solitude então, é uma disciplina cristã que consiste no convite para nos retirarmos da multidão, da companhia dos outros e estarmos a sós com Deus. Ela cria o espaço para que as outras disciplinas sejam exercidas como o silêncio, a oração, o estudo e a meditação nas Escrituras. Para muitos é um grande desafio ficar sozinho e quando isso é inevitável, ligamos algum ruído para amenizar o vazio do silêncio. (2)

Nossos relacionamentos podem se tornar mesquinhos e carentes, dependentes e exploradores, pois sem a solitude do coração, não conseguimos ver realmente os outros, são apenas pessoas para serem usadas para a satisfação de nossas próprias necessidades. (2)

Mas através da prática da solitude podemos vencer a solidão e aprender a viver em comunidade. Para Bonheffer, “aquele que não consegue ficar sozinho, precisa tomar cuidado com a comunidade. E o que não está em comunidade, precisa tomar cuidado ao ficar sozinho. Cada situação apresenta ciladas e riscos profundos. Aquele que deseja comunhão sem solitude, mergulha num vazio de palavra e sentimentos, e aquele que procura a solitude sem a comunhão perece no abismo da vaidade, do narcisismo e do desespero.” (3)

Assim, solitude é uma disciplina de abstenção da companhia de pessoas que nos ajuda, posteriormente, a nos engajar de maneira restaurada com os outros. Ela nos liberta do que nos impede de amarmos uns aos outros. Porque na solitude somos expostos ao amor de Deus, do qual necessitamos tanto, mas para quem estamos sempre ocupados demais para dedicarmos nossa atenção. A solitude é um encontro com Cristo e, por isso, seu exercício nos liberta de várias coisas que podem estar nos oprimindo. (4)

Segundo Richard Foster, a simplicidade e a solitude andam de mãos dadas. A solitude diz respeito, especialmente, à harmonia interior que nos liberta da sufocante necessidade de aplausos e aprovação. Ela nos dá condições de ficar naturalmente sozinhos, pois o medo da obscuridade se foi; e nos habilita para a verdadeira convivência com os outros, pois não seremos mais controlados por eles (nem buscaremos controlá-los). (5)

Na disciplina da solitude nos isolamos das pessoas por um momento, não por sermos antissociais, mas por amá-las, para que quando estivermos com elas possamos fazer-lhes bem e não mal. Thomas Merton disse que “é na profunda solitude que encontro a ternura com a qual posso realmente amar meus irmãos. (…) A solitude e o silêncio ensinam-me a amar os irmãos pelo que eles são, não pelo que eles dizem.” (5)

Podemos, então, praticar a solitude reconhecendo a importância de termos momentos a sós. Aproveite as pequenas solitudes que acontecem ao longo de um dia, como os primeiros momentos da manhã antes da família acordar. E crie espaço ao longo da sua rotina para inserir momentos de solitude: preparar uma xícara de café ou chá e sentar em silêncio no jardim, entrar no seu quarto e avisar os demais da família para não te chamarem, fazer uma caminhada em silêncio observando o redor, separar algumas horas do dia para se retirar e ficar a sós com Deus.

É importante destacar que a solitude é praticada na companhia de Deus. É o exercício de se calar e aquietar diante dAquele que me vê, me conhece completamente e me ama profundamente. É o esforço de me concentrar na voz dele, que me chama pelo nome e se revela a mim através das Escrituras.

No espaço criado pela solitude e silêncio é que vamos exercitar as outras disciplinas espirituais. O movimento da solidão para a solitude, irá gerar a alegria de estar a sós; não mais o vazio intimidador mas, agora, cheio da presença do Senhor e do seu amor derramado por nós, ao qual respondemos a Deus em oração e aos outros em hospitalidade.

Lucas 5:15–16 nos diz que “As notícias a seu respeito [Jesus] se espalhavam ainda mais, e grandes multidões vinham para ouvi-lo e para ser curadas de suas enfermidades. Ele, porém, se retirava para lugares isolados, a fim de orar.”

Oremos

Querido Senhor, somos tão carentes de relacionamentos verdadeiros e muitas vezes nos agarramos aos outros de maneira distorcida. Ajuda-nos a exercitar a solitude e a soltar as amarras que nos impedem de estarmos a sós contigo, para que possamos receber teu amor, aprender a te amar e amarmos uns aos outros. Que seja um lugar de encontro e de liberdade. Em nome de Jesus, Amém.

Escute o PodCast da Igreja Esperança sobre a Disciplina da Soitude.

Referências citadas no texto:

(1) Dallas Willard. A Grande Omissão. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. Essa pergunta está nas páginas 102–105.

(2) Henri Nouwen. Crescer: os três movimentos da vida espiritual. São Paulo: Paulinas, 2000.

(3) Dietrich Bonhoeffer. Vida em Comunhão. São Leopoldo: Sinodal, 1997.

(4) Richard Foster. Celebração da Disciplina. São Paulo: Editora Vida, 2007.

(5) Richard Foster. A Liberdade da Simplicidade. São Paulo: Editora Vida, 2008.

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Espiritualidade. Cristianismo. Hospitalidade.

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